Massacre de
Eldorado dos Carajás: 21 anos de impunidade Abr-17,2017
Velório das 19 vítimas em Curionópolis, Pará, 1996. Foto: J.R. Ripper
Vinícius Alves
Em 17 de abril de 2017, completou-se 21 anos de um
dos crimes mais bárbaros na história recente do país, o massacre de Eldorado
dos Carajás (Pará), que resultou oficialmente na morte de 21 camponeses,
perpetrado pela Polícia Militar (PM) do estado do Pará a mando da gerência
estadual de Almir Gabriel/PSDB e dos latifundiários da região.
Este episódio escancarou para todo o Brasil e para
o mundo, o caráter genocida do velho Estado brasileiro burguês-latifundiário,
que resolve com derramamento de sangue os anseios e reivindicações das massas,
seja no campo ou na cidade. O massacre de Eldorado dos Carajás juntou-se a
outros crimes de repercussão nacional e internacional praticado pelas forças
policiais do velho Estado como a chacina de Vigário Geral no Rio de Janeiro em
1993, o massacre do Carandiru em São Paulo em 1992, além da heroica resistência
camponesa de Corumbiara em Rondônia em 1995.
Relembrando o caso
Em setembro de 1995, cerca de 3.500 famílias,
vinculadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ocuparam uma
área na beira da rodovia estadual PA-275, próxima à fazenda Macaxeira, no
município de Curionópolis, no estado do Pará, transformando-a em um
acampamento. As famílias reivindicam as terras da fazenda para a “reforma
agrária”, tendo em vista que esta encontrava-se improdutiva.
Francisco Graziano, presidente do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na época, em visita à região,
comprometeu-se a enviar uma equipe técnica para vistoriar a fazenda,
possibilitando a abertura do processo de desapropriação da mesma, com a
condição de que as famílias não a ocupassem.
A inspeção técnica alegou que a fazenda era
produtiva, logo não poderia ser desapropriada para fins da “reforma agrária”, o
que casou a indignação das famílias, que havia cumprido o acordo estabelecido
pelo órgão federal. Depois descobriu-se que o laudo atestando a produtividade
da fazenda foi obtido através de um suborno junto ao superintendente do órgão,
José Líbio de Moraes Matos, que foi exonerado do cargo.
Em 5 de março de 1996, as famílias acampadas
decidiram em assembleia ocupar a fazenda Macaxeira. No dia seguinte, Ronaldo
Barata, então presidente do Instituto de Terras do Estado do Pará (ITERPA),
representando a gerência estadual, comprometeu-se a interceder junto ao Incra
pela criação do assentamento, como também se comprometeu a enviar no dia 12 de
março alimentos e medicamentos para os acampados.
Passaram-se 30 dias e as promessas do órgão
estadual não se realizaram. Os camponeses cansados da enganação do ITERPA e do
Incra decidiram em assembleia realizar uma marcha até Belém, que fica a 800 km
de distância de Curionópolis, para cobrar diretamente da gerência estadual a
criação do assentamento.
A marcha até Belém se iniciou no dia 10 de abril,
com cerca 1.500 famílias. No dia 16 de abril, quando a marcha se encontrava no
km 95 da PA-150, próximo ao município de Eldorado dos Carajás, os camponeses
resolveram bloquear a rodovia estadual, reivindicando alimentos e ônibus que
pudessem leva-los até a capital do estado.
A PM foi prontamente acionada para liberar a
rodovia. A ação foi dirigida pelo major José Maria Pereira de Oliveira,
comandante da 10ª CIPM/1ª CIPOMA, que iludiu as famílias, dizendo que se o
trânsito fosse liberado, conseguiria alimentos e transporte para os camponeses.
Estes desocuparam a PA-150 e acamparam às suas margens.
Na manhã de 17 de abril, os camponeses foram
informados de que o acordo estava desfeito, o que levou a reocupação da
rodovia.
Neste mesmo dia, em Belém, Almir Gabriel (o gerente
estadual), Paulo Sette (o Secretário de “Segurança”), Walter Cardoso (o
superintendente do Incra) e Rolando Barata (o presidente do ITERPA),
reuniram-se e decidiram pela retirada dos camponeses a qualquer custo.
Por volta das 15 horas chegaram dois ônibus e uma
caminhonete com policiais militares sob o comando de José Maria Pereira de
Oliveira, vindos do município de Parauapebas. No sentido oposto da rodovia,
vieram três ônibus sob o comando do coronel Mário Colares Pantoja, comandante
do 4º Batalhão da PM, vindo de Marabá. De acordo com relatos, os cerca de 155
policiais estavam sem a tira de pano costurada sobre o velcro que os
identifica, o que demonstra que estes estavam autorizados a matar, sabendo que
não poderiam ser reconhecidos.
O grupo sob as ordens de Pantoja iniciou a
desobstrução da rodovia lançando bombas de gás lacrimogêneo, sendo logo
acompanhado pelo grupo sob a direção de Oliveira, conformando um ataque pelos
dois flancos, o que levou as pessoas a resistirem, jogando paus e pedras contra
os PMs.
Momentos depois, os policiais passaram a efetuar
disparos com armas de fogo, focando primeiramente nas lideranças do acampamento
e depois atacando a todos indiscriminadamente, mulheres e homens, crianças e
idosos.
Por volta das 19 horas, uma hora após o início do
ataque, a chamada curva do “S”, na PA-150 estava liberada, a custo do sangue de
19 mortos e 68 feridos, segundo os números oficiais. Nos anos seguintes, mais
duas pessoas morreram em decorrência dos ferimentos. Entretanto, os relatos dos
sobreviventes falam em um número maior, já que entre os mortos constam-se
apenas homens adultos, em um local que contava com um grande número de mulheres
e crianças.
As periciais posteriores comprovaram que vários
camponeses foram executados, pois os corpos apresentavam tiros na testa e
pólvora no rosto provocados por disparos à queima-roupa. Vários corpos
apresentavam hematomas, o que indica que foram espancados antes da execução.
Além disso, sete pessoas foram sumariamente executadas com os seus próprios
instrumentos de trabalho: foices, enxadas e facões.
NOMES DOS
MORTOS
Os 19 mortos no massacre do Eldorado dos Carajás
foram Altamiro Ricardo da Silva, 42 anos; Antônio Costa Dias, 27 anos; Raimundo
Lopes Pereira, 20 anos; Leonardo Batista de Almeida, 46 anos; Graciano Olímpio
de Souza, 46 anos; José Ribamar Alves de Souza, 22 anos; Oziel Alves Pereira,
17 anos; Manoel Gomes de Souza, 49 anos; Lourival da Costa Santana, 26 anos;
Antônio Alves da Cruz, 59 anos; Abílio Alves Rabelo, 57 anos; João Carneiro da
Silva; ++ Antônio Alves Rabelo; José Alves da Silva, 65 anos; Robson Vitor
Sobrinho, 25 anos; Amâncio dos Santos Silva, 42 anos; Valdemir Ferreira da
Silva, 32 anos; Joaquim Pereira Veras, 32 anos; João Rodrigues de Araújo.++
João pereira.++
A “justiça” e o seu caráter de
classe
A impunidade apresenta um caráter de classe social,
visto que nas áreas em que ocorrem conflitos agrários, os latifundiários e os
seus bandos de pistoleiros empregam rotineiramente a violência contra os
camponeses e suas lideranças, perseguindo e assassinando-os, entretanto, poucos
são levados a julgamentos, condenados e cumprem a pena em regime fechado.
Além disso, verifica-se a participação regular de
policiais militares em grupos de pistolagem. Ou seja, a impunidade para os
latifundiários é a regra nos conflitos agrários, no qual o caso de Eldorado dos
Carajás é um grande exemplo.
Desde a fase da investigação ao julgamento, o
processo foi marcado por uma seletividade em relação a quem é favorecido e quem
é desfavorecido, seja consciente ou inconscientemente, seja intencional ou não.
No que se refere ao Inquérito Policial Militar e (PM), que objetivava apurar a responsabilidade penal dos crimes praticados
pelos PMs, vários procedimentos não foram cumpridos, tais como: o não
preenchimento das cautelas, procedimento que o policial, ao retirar uma arma
preenche, especificando qual policial retirou qual arma; o sumiço de armas
utilizadas no massacre; a não realização de exames de resíduos de sangue nas
fardas dos policiais; a não realização de exames para detectar resíduos de
pólvora nas mãos dos policiais que atiraram; a falta de acareação entre os
sobreviventes e os PMs; o fato dos corpos terem sido removidos antes de uma
perícia técnica; entre outras faltas e falhas.
Em relação ao julgamento, que se arrastou por
vários anos, teve o veredito de 14 de maio de 2002, que absolveu 142 policiais
e condenou o coronel Mario Colares Pantoja e o major José Maria Pereira de
Oliveira a respectivamente, 228 e 158 anos de prisão. Os dois policiais
recorrerão da decisão em liberdade, sendo apenas em maio de 2012, que Pantoja e
Oliveira foram presos. José Maria de Oliveira está custodiado no Centro de
Recuperação Especial Anastácio das Neves, já Mário Colares Pantoja está em
prisão domiciliar.
Após 21 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, os mandantes e a
maioria esmagadora dos executores permanecem soltos. Como de práxis, crimes
cometidos contra camponeses em luta pelo sagrado direito à terra têm a
impunidade como resultado, evidenciando mais uma vez, que do judiciário do
velho Estado burguês-latifundiário nada sairá de útil ou favorável ao povo.
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