17 de abril de 1996.
Memorial de um massacre
Se nos calarmos, as pedras falarão” Não podemos, não devemos, não aceitamos a decisão do Tribunal do Júri
que absolveu os policiais que mataram 19 (dezenove) trabalhadores rurais sem
terra.
No dia 17 de abril de 1996, aproximadamente às 16h00 cento e
cinqüenta e cinco policiais militares cercaram mil e quinhentos trabalhadores
rurais que encontravam-se acampados nas laterais do Km 96 da rodovia estadual
PA 150, no Município de Eldorado do Carajás, Estado do Pará.
Estes mil e quinhentos trabalhadores, ligados ao MST, eram
parte do acampamento da Fazenda Macaxeira e deslocavam-se para Belém para
exigir o cumprimento de acordo com o Incra e Governo do Estado, onde estava
prevista a desapropriação da Fazenda Macaxeira.
Minutos após o cerco, os policiais militares começaram a atirar em
direção aos trabalhadores. Uma hora após, no local estavam estendidos dezenove
cadáveres de trabalhadores. Outros sessenta e nove trabalhadores gravemente
feridos e dezenas de outros feridos levemente estavam escondidos nos arredores
do local, após terem conseguido escapar ao cerco dos policiais.
Durante toda a duração da operação militar de desobstrução da pista da
rodovia, foram assassinados seis trabalhadores. Após desobstruída a pista e
formalmente encerrada a missão dos policiais, foram executados sumariamente
ainda outros treze trabalhadores, que ou se encontravam feridos e inconscientes
na pista ou que, conscientes, não tinham mais condições de locomoverem-se, em
função de ferimentos de bala nos pés e pernas.
Este foi o massacre de Eldorado do Carajás.
Todos os policiais militares que participaram do massacre foram julgados
e absolvidos.
O Tribunal do Júri de Belém decidiu condenar apenas dois comandantes: o
coronel Mário Colares Pantoja e o capitão Raimundo
Lameira.
O Massacre de Eldorado do Carajás e a impunidade dos mandantes e executores
é a demonstração inequívoca da incapacidade do Governo Federal em respeitar os
tratados internacional e os direitos humanos.
Com estes memoriais pretendemos apresentar os motivos que desencadearam
o massacre, a construção da impunidade e farsa em que o julgamento realizado em
Belém se transformou e manifestar nossa indignação contra a absolvição dos
policiais militares. A absolvição dos policiais que executaram os 19 (dezenove) trabalhadores
rurais é inaceitável!!
HISTÓRICO
O Estado do Pará está localizado na região Norte do Brasil, possui uma
área de 1.248.042 Km quadrados, com população de 3.468.700 habitantes.
Em 1996, ano do massacre, era governado por Almir Gabriel,
governador eleito pelo Partido Social Democrata Brasileiro – PSDB.
A região sul do Estado do Pará é a porta de entrada para as terras da
Amazônia. É lá que desembocam a ferrovia Carajás e as estradas que sobem de
Tocantins (Belém-Brasília) e vem de Imperatriz rumo à Transamazônica. É o
desaguadouro de milhares de camponeses em busca de terra. Há ainda os
contingentes atraídos no passado pela ilusão do garimpo ou de emprego na Companhia
Vale do Rio Doce.
A região sul do Estado do Pará se caracteriza pela presença de grandes
grupos financeiros e industriais – Volkswagen, Liquigás, Banco Real,
BCN, entre outros -, que, beneficiados pela redução de impostos de até 50%
sob a condição de investir 2/3 na agricultura, abocanharam grandes extensões de
terras, impedindo o desenvolvimento da região, já que a propriedade fundiária
fora adquirida apenas para especulação imobiliária.
A abertura da Mina de Carajás (a maior mina de ferro do mundo) e da
estrada de ferro, estimulou o rápido crescimento das cidades da região> As
cidades cresceram e empobreceram. Sem infra- estrutura para suportar o crescimento
populacional, as cidades passaram a ser um amontoado de gente com altos índices
de desemprego, marginalização, pobreza, miséria, e altos índices de mortalidade
infantil.
Essa combinação – concentração da terra, riquezas naturais,
trabalhadores rurais sem-terra – fez da região sul do Pará o palco de violenta
luta pela terra. Para proteger suas terras os fazendeiros contam com a
colaboração direta do Poder Executivo – Polícia Militar – e exércitos próprios
– jagunços e pistoleiros.
A
FAZENDA MACAXEIRA.
O Complexo Macaxeira era uma área de 42.558 hectares, situada entre os
municípios de Eldorado do Carajás e Curionópolis, localizada no lado esquerdo
da Rodovia PA 275.
Em 1995 o presidente do INCRA (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária), Francisco Graziano fez uma
visita na região sul do Pará e prometeu fazer uma vistoria no Complexo Macaxeira
para saber se era possível desapropria-la e fazer o assentamento, desde que os
trabalhadores não a ocupassem.
Os trabalhadores cumpriram sua parte no acordo e não ocuparam.
A vistoria foi feita e, para surpresa de todos, a área foi considerada
produtiva!!
Em março de 1996 as 1.500 famílias que estavam acampadas nas margens da
Rodovia PA 275 decidiram ocupar a fazenda Macaxeira e fazer uma marcha até Belém.
A
MARCHA PARA BELÉM
A marcha foi iniciada no dia 10 de abril de 1996. No dia 16 já estavam
nas proximidades do município de Eldorado do Carajás. Cansados e famintos, os
lavradores decidiram bloquear o transito para negociar com o Governo do Estado.
Queriam ônibus para seguir até Belém e alimentação.
O Major Oliveira, da Polícia Militar de Parauapebas, que foi
absolvido, se apresentou para negociar com os trabalhadores. Durante as
primeiras negociações, garantiu que, se desobstruíssem a rodovia, seriam
atendidos e o Governo enviaria ônibus e alimentos.
Os lavradores deixaram a Rodovia e montaram acampamento nas margens da
pista.
No dia seguinte, 17 de abril de 1996, as 11:00 horas, o Tenente
Jorge, da Polícia Militar de Paraupebas foi até o acampamento e informou
que o Governo do Estado não manteria o acordo, portanto nem ônibus e nem comida
seriam entregues.
Em protesto os trabalhadores ocuparam a Rodovia PA 275.
Na Capital, o Governado Almir Gabriel fez uma reunião
de emergência com o Secretário de Segurança Pública Paulo Sette Câmara e o
Superintendente estadual do INCRA Walter Cardoso e com o
presidente do Instituto de Terras do Estado do Pará, Ronaldo Barata.
Decidiram retirar os trabalhadores da Rodovia a qualquer custo.
O
MASSACRE
Aproximadamente as 15:30h chegaram dois ônibus e outros carros vindos do
município de Parauapebas. Eram 68 (sessenta e oito) homens da Polícia Militar
comandados pelo Major Oliveira. Estavam armados com escopetas,
fuzis, revólveres e metralhadoras.
Pelo outro lado, município de Marabá, chegaram outros três ônibus. Sob o
comando do Coronel Mário Colares Pantoja chegaram 150 homens
armados com bombas de gás lacrimogêneo, metralhadoras, fuzis, revólveres. Com esse pelotão, também chegou um destacamento da Polícia Militar Florestal
armados com facões e outros instrumentos cortantes.
Aproximadamente as 17:00 horas foi ouvido o primeiro disparo. O batalhão
comandado pelo Coronel Mário Colares Pantoja avançou
disparando e lançando bombas de efeito moral. Com os primeiros disparos, os
policiais acertaram o lavrador surdo-mudo AMANCIO DOS SANTOS SILVA, que
estava próximo a um caminhão que transporta animais.
Ao verem o companheiro AMANCIO atingido, os outros lavradores
correram em direção ao pelotão de Marabá. Foram recebidos com rajadas de
metralhadora e disparos de fuzis. Neste momento muitas pessoas foram atingidas
e caíram. Os trabalhadores tentaram fugir para o mato e os dois batalhões
avançaram contra os sem-terra. Houve perseguição, disparos de fuzis e rajadas
de metralhadora. Muitos foram acertados nas pernas e costas. Aqueles que foram
encontrados caídos, foram sumariamente mortos. O massacre durou uma hora.
O Relatório da Comissão Teotônio Vilela e Núcleo de Estudos da USP,
assinado pelo professor Paulo Sérgio Pinheiro, retrata aquele
dramático momento:
“Numa curva de estrada entre Eldorado de Carajás e Marabá estão
acampados 1500 sem-terra com suas famílias. Queriam ônibus e víveres para
prosseguirem na sua marcha até o Incra de Marabá. Numa tarde à luz do dia (em
Corumbiara esperaram a madrugada), sem nenhuma negociação prévia, sem nenhum
aviso, simplesmente bloqueiam a estrada em dois pontos e numa clássica operação
de torniquete atacam os manifestantes pelos dois flancos”.
A publicação semanal VEJA,
edição de 24 de abril de 1996, relata a execução dos trabalhadores:
“O primeiro a morrer era conhecido apenas pelo primeiro nome, Amâncio,
e um apelido, “O Surdo”. Amâncio era realmente surdo e morreu desnorteado.
Percebia o corre-corre, mas sem ouvir os disparos, demorou para saber o que
ocorria para tentar fugir. O primeiro tiro acertou o seu pé direito. “A gente
gritava para ele correr, mas não adiantava. Os soldados chegaram perto e
atiraram na cabeça”,
diz Francisco Clemente de Oliveira, agricultor
em Serra Pelada, que testemunhou a morte. Outro que morreu no início também era
conhecido apenas pelo primeiro nome, Lourival. Alvejado, desabou
aos pés de Raimundo Gouveia, que o conheceu no acampamento: “Ele
caiu de bruços. Quando o virei, estava com a boca aberta, sangrando”.
Elka de Fátima contou para
a Revista Veja como
foi a execução de Robson Vitor Sobrinho, 22 anos: Ele foi agarrado pelos cabelos e jogado no chão. Levou um tiro no braço
e outro na cabeça”.
O jornal CORREIO
BRASILIENSE, edição de 19 de abril de 1996, sob o título VERGONHA,
escreveu: “Assassinato em massa de trabalhadores sem-terra por 190 policiais
militares em estrada no sul do Pará escandaliza o país, constrange o presidente
da república e repercute no exterior. O País ficou chocado ao conhecer a extensão
do massacre de Eldorado do Carajás, no sul do Pará, o maior registrado nos
últimos 30 anos por causa de conflitos de terra.
O jornal ZERO HORA,
edição de 20 de abril de 1996, escreveu que: “O legista Nelson Massini, da
Universidade do Rio de Janeiro (UERJ), concluiu ontem que 10 dos 20 mortos da
chacina de Curionópolis (Eldorado) foram executados à queima-roupa. Quatro
deles receberam tiros na testa, à curta distância, depois de rendidos e os
demais apresentavam sinais de terem sido barbaramente espancados antes da
execução”.
O jornal CORREIO
BRASILIENSE, edição de 20 de abril de 1996, sob a manchete “FUZILADOS A
QUEIMA-ROUPA”, informava: “Pelo menos 10 dos 19 sem-terra mortos por policiais
militares no massacre de Eldorado do Carajás (PA) foram executados, três deles
à queima-roupa. Um recebeu um tiro ao lado do olho direito, outro foi atingido
na nuca e o terceiro morto pelas costas. Na maioria dos casos os tiros
acertaram a cabeça e o tórax dos lavradores. Além disso, sete foram vítimas de
armas cortantes, como facões e foices.
A conclusão disso é que os policiai
atiraram para matar”, disse o legista Nelson Massini, que analisou a necropsia
a pedido da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
O
ASSASSINATO DE OZIEL ALVES PEREIRA
Os jornalistas enviados pelos principais meios de comunicação
conseguiram registrar depoimentos que esclareceram as circunstâncias da
execução sumária de Oziel Alves Pereira.
Um jornalista da Folha de
S. Paulo escreveu na edição de 20 de abril de 1996 que “LÍDER FOI
MORTO COM TIRO À QUEIMA ROUPA”. A matéria dizia que: “Relatos colhidos
pela FOLHA entre
autoridades e sem-terra indicam que Oziel Lima (Oziel Alves
Pereira) foi morto com um tiro na testa, à queima roupa”.
O jornalista da Folha de
S. Paulo entrevistou a sobrevivente Francisca Costa Ribeiro:
“Vi quando arrastaram o Oziel para fora e levaram para a
rodovia. Eles batiam nele, chamavam de vagabundo e diziam para ele gritar “viva
o movimento sem-terra. Depois, deram um tiro na cabeça dele”.
A
IMPUNIDADE CONSTRUÍDA
Embora o Estado do Pará seja o campeão nacional de assassinatos no
campo, com registro de 726 assassinatos de trabalhadores rurais no período 1970
- 2002, o massacre de Eldorado do Carajás teve repercussão ímpar, seja em
função do número de mortos, das circunstâncias das execuções sumárias, seja em
função de o próprio Governador do Estado, Almir Gabriel, ter
determinado a realização da operação policial.
Em virtude disso, a sociedade brasileira exigia punição exemplar para
todos os envolvidos no massacre, desde o Governador do Estado (Almir Gabriel),
seu Secretário de Segurança Pública (Paulo Sette Câmara), o Comandante
Geral da Polícia Militar (Fabiano Lopes) e, obviamente, todos os
policiais militares diretamente envolvidos nas execuções e lesões dos
trabalhadores.
A construção da impunidade teve início minutos após o fim do massacre.
Mesmo sabendo da ilegalidade, os policiais removeram todos os corpos da cena do
crime. Com este ato, impossibilitaram a realização de perícias eficazes para a
localização dos autores dos disparos.
Dois promotores de justiça, que insistiam na tese de que era obrigação
do Ministério Público do Estado do Pará investigar a responsabilidade do
Governador do Estado e do alto escalão no massacre, foram afastados do caso pelo
na época Procurador-Geral de Justiça, Manoel Santino do Nascimento.
Mesmo tendo sido afastadas pessoas com envolvimento importante no
massacre, em função da intensa pressão do MST e da sociedade,
conseguiu-se que pelos menos os policiais militares diretamente envolvidos com
as execuções sumárias e lesões fossem processados judicialmente.
De um ponto de vista formal, no mês de junho de 1996, inicia-se o maior
processo em número de réus da história criminal brasileira.
Salvo em casos de alguns julgamentos de crimes militares no século XIX e
outros casos de crimes políticos no século XX, o Judiciário brasileiro nunca
havia se deparado com situação análoga ao processo de Eldorado do Carajás - 155
réus, todos policiais militares.
Ao longo dos últimos seis anos, este processo-crime singular ultrapassou
o número de dez mil páginas, em trinta volumes. Nestes seis anos, foram impetrados pela defesa dos policiais militares
quinze habeas corpus no Tribunal de Justiça do Estado do Pará, cinco habeas
corpus no Supremo Tribunal Federal, seis habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, interpostos
três recursos extraordinários no Supremo Tribunal Federal e quatro recursos
especiais no Superior Tribunal de Justiça.
Basicamente em todos os recursos e habeas corpus, a defesa dos policiais
militares tentava o reconhecimento da nulidade do processo, em função das mais
diferentes razões.Todos os habeas corpus e
recursos foram sistematicamente, ao longo do tempo, negados. Contudo, embora se tenha tido um considerável sucesso ao se impedir as
tentativas da defesa dos réus de anular o processo nos tribunais superiores, no
Estado do Pará as coisas se passaram de modo diferente.
A primeira sessão do Tribunal do Júri para julgamento dos réus foi
marcada para o dia 16 de agosto de 1999, a ser realizada em Belém e presidida
pelo juiz Ronaldo Valle. Esta sessão encerrou-se com a absolvição dos três oficiais julgados
- Coronel PM Mário Colares Pantoja, Major PM José Maria
Pereira de Oliveira e Capitão PM Raimundo José Almendra Lameira.
Mais chocante que o resultado da sessão foram os meios utilizados para produzir
este resultado.
Durante três dias de sessão, o juiz Ronaldo Valle sistematicamente
cerceou os poderes da acusação, impedindo a utilização em plenário de
documentos juntados no prazo legal, permitindo manifestações públicas de
jurados criticando a tese da acusação e defendendo pontos de vista apresentados
pela defesa, permitindo à defesa críticas grosseiras ao promotor de justiça.
Por fim, o juiz Ronaldo Valle, em decisão polêmica, apresentou
questionamento aos jurados que distorceu o resultado da votação do Conselho de
Sentença, obtendo assim a absolvição dos três réus pelo placar de quatro votos
a três.
Com a pronta reação do MST e dos advogados e promotor, os julgamentos
dos demais cento e cinqüenta e dois réus foram imediatamente suspensos.
De tal monta foram os meios ilegais utilizados para obter a absolvição
dos réus que o Tribunal de Justiça do Estado do Pará determinou a anulação do
julgamento, em abril de 2000, decisão mantida em um segundo julgamento em
outubro de 2000.
Antevendo a anulação do julgamento, o juiz Ronaldo Valle solicitou
o afastamento do caso.
Após o seu afastamento, algo incrível aconteceu. Em abril de 2000, dos
dezoito juízes criminais da Comarca de Belém, dezessete informaram ao
Presidente do Tribunal de Justiça que não aceitariam presidir o julgamento,
informando como razão para tal, na maioria dos casos, simpatia pelos policiais
militares e aversão ao MST e aos trabalhadores rurais!!!
Em abril de 2001 foi nomeada uma nova juíza para o caso - Eva do
Amaral Coelho. Esta juíza se recusou a presidir, em junho de 2000, o
julgamento do fazendeiro Jerônimo Alves de Amorim, acusado do
assassinato de Expedito Ribeiro de Souza, Presidente do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria.
A juíza Eva do Amaral Coelho designou o dia 18 de junho de 2001 como
data para o novo julgamento dos três oficiais absolvidos em agosto de 1999.
Contudo, alguns dias antes do início da sessão, a juíza Eva do
Amaral Coelho determinou a retirada do processo da principal prova da
acusação, um minucioso parecer técnico da Unicamp, subscrito pelo Professor
Ricardo Molina que, em conjunto com um CD- Rom de imagens digitais, comprova
claramente que os responsáveis pelos primeiros disparos contra os trabalhadores
foram os policiais militares.
Novamente o MST reagiu a esta nova situação anormal. Os
advogados do MST em Marabá e Belém, São Paulo e Rio de Janeiro
em pouco mais de quarenta e oito horas conseguiram, juntamente com o promotor
de justiça, em uma ação coordenada, obrigar a juíza a rever sua posição.
Em função disso, a juíza Eva do Amaral Coelho suspendeu
o julgamento marcado para o dia 18 de junho e não apresentou nova data para a
retomada do julgamento.
Contudo, o julgamento dos acusados pelo massacre Eldorado dos Carajás,
após diversos incidentes, foi retomado entre os dias 14 de maio e 10 de junho
de 2002.
Após cinco sessões de julgamento, dentre os cento e quarenta e quatro
acusados julgados, cento e quarenta e dois foram absolvidos e dois condenados,
sendo que estes receberam o benefício de recorrerem em liberdade.
Em decorrência dos benefícios estendidos aos dois únicos condenados, as
testemunhas de acusação não compareceram mais ao julgamento, em função de
ameaças de morte e por não acreditarem na seriedade do julgamento. Conforme
informações publicadas pela imprensa do Pará, os jurados eram pressionados por
pessoas ligadas aos acusados no sentido de votarem pela absolvição. Pelo menos
uma jurada suplente teve a coragem suficiente para confirmar a ocorrência de
tais fatos.
Esta digna jurada inclusive teria identificado quem seria o autor
da intimidação. Não obstante isso, tais fatos não foram investigados e nem
interrompido o julgamento que se passou com permanente intimidação de
testemunhas de acusação e jurados, conforme devidamente registrado pela
imprensa.
Em nenhum momento, qualquer autoridade ligada ao Governo do Estado do Pará fez
qualquer comentário lamentando ou criticando o resultado do julgamento do
absurdo massacre de Eldorado dos Carajás, demonstrando com seu comportamento a
conveniência das absolvições.
Durante cerca de vinte dias, os principais jornais do Estado do Pará
publicaram matérias informando em detalhes as intimidações e ameaças de morte
que estariam recebendo as principais testemunhas da acusação, principalmente
duas, Raimundo Araújo dos Anjos e Valderes Tavares.
Nada foi feito em relação a proteção e salvaguarda de tais testemunhas,
tampouco as autoridades do Poder Judiciário do Pará cogitaram suspender o
julgamento, que apresentava-se previamente com seu resultado comprometido, em
função do clima de hostilidade e intimidação existente contra as testemunhas de
acusação e jurados.
Antevendo esta situação, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra não
aceitou participar de um julgamento onde não estivessem sequer garantidas a
segurança e a tranqüilidade das pessoas fundamentais para a acusação.
Conforme registrado por autoridades federais, o absurdo julgamento de Eldorado
dos Carajás demonstrou de forma inquestionável que o Poder Judiciário do Estado
do Pará está completamente incapacitado para realizar um julgamento imparcial e
formalmente correto.
Não somente o resultado do julgamento do massacre de Carajás é prova
patente desta assertiva. Em cerca de vinte e cinco anos, aproximadamente 540
trabalhadores rurais foram assassinados em conflitos pela terra no sul do Pará,
onde se localiza Eldorado dos Carajás. Dentre os centenas de envolvidos nestas
mortes, nas mais variadas condições - mandantes, intermediários e executores,
somente quatro foram definitivamente condenados, dois executores, um
intermediário e um mandante.
Os dois executores condenados fugiram de
penitenciárias estaduais, o intermediário encontra-se em liberdade condicional
e o mandante foi transferido para sua cidade de origem, em outro Estado, onde
tem forte presença política e econômica, sendo que ainda recebe diversos
privilégios, não estendidos aos outros presos comuns.
Apenas no decorrer dos dois mandatos do Presidente Fernando Henrique
Cardoso mais de noventa trabalhadores rurais foram assassinados no Estado
do Pará, mais do que o total de trabalhadores rurais assassinados no período
1964-1979, os quinze primeiros anos de ditadura militar, caracterizados pela
mais selvagem repressão aos movimentos populares.
Em um quadro dramático como o da violência contra os trabalhadores
rurais do sul do Pará, era mais do que necessário uma resposta judicial
adequada para o massacre de Eldorado dos Carajás.
Tanto mais que apenas dois anos após o massacre de Carajás, oito
policiais militares processados pelo massacre participaram do assassinato de
outros dois dirigentes do MST no sul do Pará. Em função da
pressão da sociedade civil, foram expulsos da Polícia Militar, mas
posteriormente reintegrados por decisão de uma juíza estadual.
Ao longo dos seis anos que nos separam do massacre de Eldorado dos
Carajás, esteve sob análise no Congresso Nacional uma proposta de emenda
constitucional que federaliza a investigação e julgamento dos crimes contra os
direitos humanos, como o caso Eldorado dos Carajás. Passaram-se seis longos
anos e esta proposta de emenda constitucional ainda não foi aprovada.
Tempo suficiente para sua aprovação houve. Todavia, vontade política,
não.
Durante estes seis últimos anos, todos os policiais militares acusados
continuaram exercendo suas funções de policiamento ostensivo, em sua grande
maioria nas cidades vizinhas a Eldorado dos Carajás.
Nenhum deles, em função
dos dezenove assassinatos, foi afastado de suas funções. Com suas absolvições,
continuarão no serviço ativo na Polícia Militar do Pará, em atividades de
policiamento ostensivo em Eldorado dos Carajás e cidades vizinhas, como se nada
tivesse acontecido no dia 17 de abril de 1996.
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