quinta-feira, 13 de março de 2014

048--O ADRIANO 1º E CARLOS MAGNO UNID


Adriano I e Carlos Magno
Adriano I, com a plena ajuda de Carlos Magno, é o realizador dos Estados Pontificios; finalmente!


O bispo romano Adriano I teve um papel fundamental na consolidação dos Estados Pontifícios. Eleito em 772, faleceu em 795. Nesse prazo de 23 anos tornou-se, por assim dizer, o amigo e o conselheiro dos reis francos que várias vezes atravessaram os Alpes ou para socorrê-lo dos longobardos, ou simplesmente para fazer-lhe uma visita de cortesia.

Era rei dos longobardos, Didier, que quis enganar Adriano I levando a Roma seus netos para serem sagrados futuros reis de todos os domínios que possuía no norte e no centro da Itália.
(Parêntese: o bispo de Roma já havia consagrado os príncipes francos e agora é o rei dos longobardos que pede a consagração para seus netos: isto já evidencia o poder político-religioso do bispo de Roma junto aos príncipes de seu-tempo).

Mas Adriano I antes de aceitar ou negar o pedido exigiu de Didier a execução dos tratados aceitos e assinados entre Estevão III e Astolfo.

Acontece, porém, que neste meio tempo os habitantes de Ravena avisaram Adriano I que Didier havia novamente tomado o Exarcato de Ravena. Adriano I mandou imediatamente embaixadores para avisar Carlos Magno da situação, e acrescentou que estava sendo pressionado para consagrar os netos de Didier.

Foi este fato que revoltou Carlos Magno, que já cultivava o desejo de ser o novo imperador romano do Ocidente. Enquanto o bispo de Roma se trancava no palácio do Latrão, defendido
pelo seu pequeno exército, Carlos Magno correu logo para a Itália e sitiou Pavia onde estava Didier.
Em seguida deixou os soldados sitiando a cidade de Pavia, e foi encontrar-se com Adriano I. O encontro foi na basílica de São Pedro. Depois de ter beijado os degraus do templo, Carlos abraçou o bispo de Roma e assim, de mãos dadas, como podemos ler nos Anais da época, entraram na igreja e foram rezar no túmulo dos apóstolos.

Em seguida, os dois (o pai e o filho espiritual) diante de uma multidão de fiéis, juraram paz e "amizade perpétua e Carlos Magno renovou o auto de doação feito a Estevão III por seu pai Pepino e por seu irmão Carlomano e por ele mesmo.

Este novo documento de doação foi assinado.por Carlos e por todos os príncipes e bispos presentes e depositado no altar de
São Pedro. Por esse mesmo ato a Sé de Roma se tornava dona, senhora e proprietária praticamente de toda a Itália Central e parte das regiões do noroeste, como também de Venécia, da ístria, além dos ducados de Spoleto e Benevento.

Em seguida Carlos Magno voltou a Pavia, onde seu exército mantinha o cerco à cidade. Pavia logo caiu e Didier foi feito prisioneiro e encerrado no mosteiro de Corbier, na França. Então Carlos Magno voltou novamente para Roma a fim de dizer pessoalmente que havia acabado com Didier.

Adriano ficou extremamente feliz e lhe deu não só o poder de nomear os bispos em todo o território de seu reino, mas também o poder de nomear o próximo bispo de Roma quando ele, Adriano, falecer.

Em seguida Carlos teve que partir imediatamente para a Espanha a fim de acabar com a guerra dos sarracenos, e, depois, para a Alemanha para subjulgar os saxões revoltosos. Demorou-se lá na Espanha cerca de um ano.

Tendo subjugado os sarracenos, voltou a Roma para encontrar-se novamente com Adriano I, que, cheio de felicidade em rever o salvador do "Patrimônio de São Pedro", coroou-o rei da Itália juntamente com o filho mais novo, chamado de Carlomano.

Foi uma cerimônia como nunca houve e nunca haverá pois tratava-se de consolidar o poder político dos bispos de Roma. O jovem filho de Carlos Magno foi levado pela mão até a pia batismal por Adriano I, que o batizou dando-lhe o nome do avô: Pepino e, em seguida, ungindo-o com o santo óleo, o consagrou rei da Itália, na presença de centenas de bispos, padres, diáconos e nobres e soldados da França.

Mas esta não foi a última viagem à Itália. Bem cinco vezes mais Carlos Magno voltará a Roma até que no ano de 800 o bispo de Roma Leão III o coroará imperador do sagrado romano império do Ocidente.

Nas freqüentes viagens a Roma, Carlos Magno, pousando em diferentes cidades junto aos bispos locais, teve ocasião de avaliar a grande depravação do clero italiano: havia comércio de escravos, vendas de moças aos sarracenos, gestões de casas de prostituição e casas de jogos e, sobretudo, crimes de sodomia (cfr.: M. Lachatre; op. cit.; V.I; pág. 340).

Carlos Magno insistia tanto com Adriano I como com Leão III para que se acabasse com tantos abusos. Mas Adriano I chamava de caluniadores e inimigos da religião aqueles que haviam relatado tudo isso a Carlos Magno; jurou que era tudo mentira e Carlos não tocou mais no assunto porque sabia que também lá, no seu reino, as coisas não eram melhores.

Isso era o que acontecia na Itália. Mas não esqueçamos que os bispos de Roma tinham sempre um olho aberto para Constantinopla... Afinal, foi no ano de 389 que o imperador Teodózio havia lhes permitido que colocassem, depois do nome, quatro letrinhas, assim: "papa".

Então lia-se, por exemplo: Sirício pa.pa. que significava: Sirício 'pater patrum", isto é: pai dos pais e bispo dos bispos, subentendido: bispo universal (papa). Mas o artifício nem sempre era usado porque muitos bispos se revoltaram.

Mas com o passar do tempo os dois pontinhos desapareceram e ficou o nome "papa ' - com o passar dos anos os europeus se acostumaram ao abuso e o nome ficou.

Querendo impor seu ponto de vista também no Oriente próximo, Adriano I pensou num concílio ecumênico para tratar a questão do culto das imagens. O concílio começou em Constantinopla, mas foi logo levado para Nicéia.

Por isso é conhecido como "Nicéia-II". Isto foi no ano de 787. Estavam presentes 377 bispos, 20 abades e um número enorme de padres. Examinaram a questão das imagens em sete sessões consecutivas.

A conclusão unânime foi a seguinte: deve-se repor as imagens nos templos, mas não se devia prestar-lhes o culto que só a Deus é devido. Às imagens pode-se prestar veneração e respeito...
Elas são apenas figuras que nos lembram pessoas santas.

Naturalmente foi uma festa para as igrejas orientais, pois puderam reintroduzir todas as imagens que Constantino Cuprônimo havia mandado tirar sob pena de morte. Os legados de Adriano I voltaram a Roma com as atas do concílio, que foram logo traduzidas para o latim.

Mas a tradução era tão obscura que Anastasio — o Bibliotecário, teve que fazer uma nova tradução para entendê-las. O único que sempre resistiu ao culto das imagens foi, por incrível que pareça,  Carlos Magno!

Ele teve que voltar mais uma; vez à Itália para convencer com as armas o duque de Benevento a pagar aos bispos de Roma os impostos que então eram chamados de "dinheiro de São Pedro" que outra coisa não era senão a taxa de vassalagem que a partir de Carlos Magno toda a Itália Central (os Estados Pontifícios) pagavam.

Coisa similar aconteceu com Offa, rei de Mércia, na Inglaterra. Esse rei veio a Roma para ser absolvido de todos os seus pecados por Adriano 1, que só consentiu reconciliá-lo com Deus se ele autorizasse que no seu reino se cobrasse anualmente uma taxa em dinheiro para a Santa Sé. Offa aceitou e essa tradição durou até o tempo de Wicleff.

Assim Adriano I em 795 podia morrer feliz; dono de metade da Itália; economicamente dono de um bispado riquíssimo; seu poder espiritual, ou melhor, seu poder político-eclesiástico reconhecido pela Europa inteira, por amor ou pela força das armas dos carolíngios...

E no Oriente seu prestígio se tornou mais forte, pois conseguiu vencer definitivamente a batalha das imagens sagradas.

A ideologia do poder já dava seus frutos!

Autor: Carlo Bússola, professor aposentado de Filosofia da UFES
Fonte: Publicado originalmente no jornal “A Tribuna” – Vitória-ES, numa série sob o título “Os Bispos de Roma e a Ideologia do Poder”.

Nota e Comentários do IASD Em Foco

Temos aqui, na postagem destes excelentes artigos, enfatizado reiteradamente a erudição, imparcialidade e honestidade intelectual do Dr. Carlo Bússola. Tudo o que ele escreve aqui em termos de História e a “ideologia de poder dos bispos” é fidedigno...

Analisem com “espírito desarmado” e sinceridade as seguintes colocações do Dr. Carlo Bússola:
“[...] por 870 anos nenhum concílio ecumênico foi convocado pelo bispo de Roma. Os grandes concílios e sínodos foram sempre convocados pelos imperadores sem perguntar nada ao bispo de Roma” (A História dos Papas, artigo 30).
“[...] pelo prazo de mil anos nenhum bispo de Roma dirigiu decisões sobre matéria de fé e costumes à Igreja Universal”(A História dos Papas, artigo 30).
Foi somente no Concilio de Éfeso (431) que os delegados romanos declararam que "Pedro, a quem Cristo havia dado o poder de atar e desatar, continua a viver e julgar em seus sucessores" (Mansi; "Concilia Oecumenica"; IV; pág. 366). Mas ninguém lhes deu importância (A História dos Papas, artigo 30).
O bispo romano Gregório Magno (590-604) rejeitou com horror o título de "bispo ecumênico" (universal) entendido como plenitude da autoridade eclesiástica. Ele chegou a chamar este título de "criminoso e blasfemo a Deus” (A História dos Papas, artigo 30).
Por mais que esta verdade doa aos católicos sinceros – e eles existem aos milhões – isso não se aplica ao Cristianismo como um todo, mas, sim, à Igreja Católica Apostólica Romana. Este poder que, como estava profetizado centenas de anos antes, nas suas duas fases (imperial e papal) substituiria a Verdade da Palavra de Deus pelas mentiras das tradições humanas.  
Vejamos, de forma sucinta, o que diz a Bíblia sobre isso:
“De um dos chifres saiu um chifre pequeno e se tornou muito forte para o sul, para o oriente e para a terra gloriosa. Cresceu até atingir o exército dos céus; a alguns do exército e das estrelas lançou por terra e os pisou. Sim, engrandeceu-se até ao príncipe do exército; dele tirou o sacrifício diário e o lugar do seu santuário foi deitado abaixo. O exército lhe foi entregue, com o sacrifício diário, por causa das transgressões; e deitou por terra a verdade; e o que fez prosperou” (Daniel 8:9-12).
Foi Roma, repetimos e provamos bíblica e profeticamente, que nas suas duas fases – imperial e papal – atacou todo o conjunto de verdades bíblicas e o jogou por terra. É o quarto animal de Daniel 7 (ler: Daniel 7:7) exatamente o quarto Império Mundial e, das suas cinzas, surge um poder (Roma papal) simbolizado pelo “chifre pequeno” ou “ponta pequena” (ler: Daniel 7:8, Apocalipse 13:1-10).
Nosso Senhor Jesus e profetas e escritores bíblicos já haviam advertido sobre o gravíssimo perigo de substituir a Palavra de Deus pelas tradições humanas:
“Ele, porém, lhes respondeu: Por que transgredis vós o Mandamento de Deus, por causa da vossa tradição? [...] E, assim, invalidastes a Palavra de Deus, por causa da vossa tradição” (Mateus 15:3 e 6).
“Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens” (Mateus 15:8-9). 
“E em vão Me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens. E disse-lhes ainda: Jeitosamente [com astúcia, falsificações da verdade, embustes, enganos de toda sorte] rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição” (Marcos 7:7-9).
“Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia [os padres dão show de filosofia: Tenho amigos que estudaram em seminários católicos e, hoje, são padres. Com eles é assim: Filosofia 10 X Bíblia 0] e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo” (Colossenses 2:8). 
Quando entram em campo questões religiosas, espirituais, questões de salvação: das quais dependem o nosso destino terno, é bom lembrar sempre que:
- O importante não é o que o presbítero diz!
- O importante não é o que o missionário diz!
- O importante não é o que o evangelista diz!
- O importante não é o que o bispo diz!
- O importante não é o que o obreiro diz!
- O importante não é o que o “apóstolo” diz!
- O importante não é o que o padre diz!
- O importante não é o que o pastor diz!
- O importante não é o que o teólogo diz!
O importante é o que Deus diz!!! O importante, e nisto está a nossa segurança eterna, é o que a Palavra de Deus diz!!! E ela nos ordena:
“Retirai-vos dela, povo Meu, para não serdes cúmplices em seus pecados e para não participardes dos seus flagelos” (Apocalipse 18:4).
Ela nos indica para onde devemos ir e qual caminho devemos seguir, em meio aos enganos finais dos últimos dias:
“Aqui está a perseverança dos santos, os que guardam os Mandamentos de Deus e a fé em Jesus” (Apocalipse 14:12).

Para Quem Quiser Saber Mais Sobre o Assunto:

http://www.iasdemfoco.net/mat/emdefesa/abrejanela.asp?Id=74


QUARTA-FEIRA, 28 DE OUTUBRO DE 2009

Agostinho e a Cidade de Deus
A INFLUÊNCIA DA IGREJA CATÓLICA NO PENSAMENTO POLÍTICO MEDIEVAL
Acredito que ao longo de quase toda a Idade Média, todo o pensamento político do mundo ocidental esteve cerceado pela ideologia moralista da Igreja Católica. Dessa forma, toda a produção teórica acerca da política buscava a formulação de um sistema de governo calcado moral cristã.
A discussão política teve algum desenvolvimento na Idade Média. Notabilizou-se a Idade Média pela sua fé no regime teocrático, que mantinha o poder civil a serviço da Igreja. O Império foi convertido em Sacro Império Cristão. Acreditou-se que o poder civil desceria do alto para sobre os reis, tal como se supunha descer o poder religioso para sobre os papas.
Perceba que ao contrário das concepções da Antiguidade (em que a função do Estado é assegurar a vida boa), na Idade Média predomina a concepção negativa do Estado. Isto porque o homem teria uma natureza sujeita ao pecado e ao descontrole das paixões, o que exige vigilância constante, cabendo ao Estado intimidar os homens para que ajam retamente.
Na Idade Média configuram-se duas instâncias de poder: a do Estado e a da Igreja. O Estado é de natureza secular, temporal, voltado para as necessidades mundanas e caracteriza-se pelo exercício da força física; a da Igreja é de natureza espiritual, voltada para os interesses da salvação da alma e deve encaminhar o rebanho para a verdadeira religião por meio da força da educação e da persuasão. A tensão entre os dois poderes assumiu diferentes expressões no decorrer do longo período, criando inúmeros conflitos.
Ainda no final da Antiguidade, próximo à queda do Império Romano, viveu Santo Agostinho (354-430 d. C.), bispo de Hispona.

SANTO AGOSTINHO E A CIDADE DE DEUS
Santo Agostinho escreveu o livro A Cidade de Deus, em que afirmava que a cidade humana era essencialmente imperfeita, e que aqueles que vivessem em conformidade com os preceitos cristãos habitariam, após a morte, na Cidade de Deus, onde tudo era justo.
Santo Agostinho é o filósofo mais marcante deste período. Sua concepção é de que o Estado tem a função de controlar e vigiar o povo, evitando assim que este ceda às paixões, pecados e erros. Para Agostinho, O Estado deve procurar imitar a perfeição divina. Sua obra A Cidade de Deus é uma idealização de uma cidade ideal, regida de acordo com a perfeição divina, baseada no amor divino, na qual o pecado será aniquilado. Agostinho inspirou-se em Platão.
Essa mentalidade acabou por influenciar todo o pensamento político medieval, pregando a superioridade do poder espiritual sobre o poder humano. Isso levou a diversos conflitos entre reis e papas. Estes querendo impor-se como superiores por representarem Deus na terra. A Igreja se apresenta como o ideal perfeito de governo, já que se considera criada por Deus, portanto, modelo de justiça e perfeição.
Agostinho viveu o declínio da cultura, da civilização que havia sido a sua; assistiu, da África, a queda do Império Romano, a tomada de Roma por Alarico, em 410 d.C. Foi, pois, vivenciando a experiência de seus contemporâneos, pagãos e cristãos, extremamente confusos, os primeiros batendo em retirada diante da invasão dos bárbaros e os outros, frívolos, sem a têmpera dos mártires, foi precisamente dentro desta condição histórica que Agostinho escreveu a Cidade de Deus.
Seus interlocutores não são abstratos, um público genérico, mas pessoas concretas, conhecidas, refugiados, que chegavam à África fugindo das invasões, cheios de medo e de mágoa, sem perspectiva, sem futuro. Roma, o símbolo de uma civilização, havia caído. Com a queda de Roma, caía também toda a esperança para o homem. A Cidade de Deus quer ser, pois, um procedimento retórico real para humanizar o homem e o salvar.
A estrutura desta obra é perfeita com um planejamento de catorze anos. Foi publicada aos poucos e seu esquema é dual, com coerência e consistência perfeitas. A primeira parte é uma reflexão sobre o culto pagão; a segunda, uma teologia da história. Em todo o texto o leitor se encontra com a antinomia das duas cidades: Babilônia é o lugar do cativeiro, o presídio; Jerusalém, o lugar da liberdade, da vida feliz. Duas cidades são assim duas formas de vida, duas maneiras de realizar a existência. Dois amores constituem dois modos distintos de construir a convivência entre os homens. As duas cidades são diferentes porque nascem de amores diferentes. Um amor luta para construir a cidade, a casa dos homens todos; o outro se fecha no egoísmo que oprime e domina os demais.
A Cidade de Deus é querer sinceramente o bem, à imitação do Pai que concede a sua graça a todos, que cumula a todos com sua benção e que só se deleita com a união de seus filhos. A origem da Cidade de Deus é, portanto, teológica e possui uma intersecção na existência histórica da sociedade. Ao contrário, a origem da cidade terrena é o apetite de domínio, de vingança, de soberba, gerando a guerra e o extermínio, a confusão e o caos.
A paz é a consequência da concórdia total entre os que mandam e os que obedecem. Tanto quem manda quanto quem obedece deve amar e buscar a paz, a tranquilidade na ordem, a feliz disposição de todos no todo, a justiça em todas as suas dimensões. Só quem ama retamente chega à paz e alcança a virtude. Esta é o amor verdadeiro feito obra. A satisfação que só busca o próprio interesse é sem consistência e falsa, transitória e vazia, não leva a lugar algum, "morre em si mesma" porque em si mesma já é morta.
A partir de uma leitura residual da Cidade de Deus, se depreende uma visão de história como construção do Reino. Para Agostinho, a história não é cíclica, como os Gregos a concebem, mas é bíblica e, portanto, linear. Agostinho parte de um acontecimento que ocorreu uma única vez na história, a Encarnação do Cristo.
Este evento quebra a síntese do eterno retorno e inaugura um fim para a história. Não caminhamos para trás, sonhando com o paraíso perdido, mas para frente, vivendo um tempo cheio de sentido, com formas, pleno, um presente contínuo, o tempo da graça. A história não é encontro sem significado, mas o tempo da salvação. Nossa obrigação é, portanto, construí-la, realizá-la. Viver o tempo é viver a vida e a sabedoria consiste em vivê-la devidamente. É verdade que o sentido da história não nos é comunicado imediatamente. O futuro é construído a partir do presente. O que se descortina diante de nossos olhos não nos pertence, é dom, é graça, é mistério, por isso o sentido da história não é visível.
História é desafio, neste tempo preciso, nesta cadeia dialética grávida de prós e de contras, neste nosso agora cheio é que se dá a salvação, a graça, a proposta de Deus e a nossa resposta pela construção da cidade. É assim que a história cheia de fraquezas e misérias de cada indivíduo e de cada geração se transforma no Reino de amor e de paz que Deus quer para o seu povo.
O caráter espiritual da Cidade de Deus é patente no pensamento de Agostinho. Não se trata aqui, contudo, de uma teologia para gerir teocraticamente a sociedade. A cidade terrestre possui a sua autonomia, essa pode ser tanto a oposição a Deus, quanto o lugar onde se coloca em prática uma ordem de coisas segundo a sua vontade.
Em nosso mundo contemporâneo, as sociedades se instalam entre uma existência sem referência, sem escatologia, sem utopia e uma ordem transcendental fechada é imposta pelos seus detentores. Ora, Agostinho é aqui, na Cidade de Deus, o crítico contundente desse dilema dualista (ensina-nos que a ação de Deus se encontra no mundo, na medida em que os homens se humanizam). Quando reinam a justiça e o amor verdadeiro entre os homens, a alma de toda civilização e o fundamento da paz, a Cidade de Deus acontece.

MONTEIRO, Consuelo Campos. Guia de Estudo – Filosofia da Política. Consuelo Campos Monteiro. Varginha: GEaD-UNIS/MG, 2009.
POSTADO POR VITOR PAULO GABRIEL ÀS 7:03:00 AM  

Nenhum comentário:

Postar um comentário